Irmã Dulce e Dr. Jorge, uma homenagem
Duda Tawil
Fonte: O Tempo

                                                                                                                                         News Sarapegbe 11 ottobre 2019
Era um dia de agosto de 1984, um mês antes de eu decidir a vir morar na França. Na redação de A TARDE, soube que naqueles dias estava sendo organizada uma missa na Conceição da Praia pelos 50 anos de ordenação da freira Irmã Dulce. Sempre fui fã do nosso Anjo Bom da Bahia, tendo feito várias matérias sobre ela e sua OSID, no bairro de Roma, e então pedi ao nosso redator-chefe e inesquecível mestre, Dr. Jorge Calmon, para cobrir o evento, e assim recebi a pauta, a ordem de reportagem.
 
Início de noite, a basílica da Cidade Baixa lotada, a mais animada era Dona Dulcinha, a melhor amiga e sem dúvida a maior fã da irmã...a Irmã Dulce. Ela ia e vinha, sem parar, entre o altar onde estavam as personalidades convidadas e a porta da igreja. Não existia celular para orientar as coisas. Nos meus 23 anos de idade, e sem querer perder nada, eu ficava atrás dela, que já me conhecia, e fui até a porta. De repente, e na maior simplicidade, Irmã Dulce desceu de um carro, ou de um táxi, não lembro, estava um pouquinho atrasada.
 
Ao entrar no templo, todo mundo de pé a ovacionar aquela magrinha, "pequena e tão gigante" freirinha, como na música deste ano para sua canonização, em breve no Vaticano. Passava ali diante de todos, na ala central, uma futura santa, sim, na convicção de todas e todos que foram rezar por ela naquele instante. A música e os cânticos preenchiam de pura fé o ambiente. Perto do altar, ao vê-la passar tímida e cabisbaixa, na sua grandeza, como se a homenageada não fosse ela,  frente a frente colocados, arqui-inimigos da política e da economia da Bahia, que prefiro não citar, poderosos, chorando como crianças, certamente a medir suas mesquinharias diante de um ser de luz, de enorme força, mais justa e mais competente do que eles no trato à população pobre, carente, esquecida, sofrida, "os que não têm voz". Eu não sabia se anotava no papel timbrado do jornal tudo o que via, ou se parava para enxugar minhas lágrimas, junto com todos no mesmo estado. A missa linda, inesquecível, emocionante é pouco, e no final ela voltou ao seu ninho, no Largo de Roma.
 
Alguns  anos haviam passado, e eu estava de passagem por Salvador, na década de 90, sempre como colaborador do jornal. Li na bem informada coluna da jornalista July, Julieta Isensée, que o fabuloso Dr. Jorge ia fazer uma palestra sobre Irmã Dulce, que já tinha nos deixado, na Academia de Letras da Bahia, em Nazaré, casa da qual ele já tinha sido presidente e era membro. (Abro um grande parêntese para dizer que há poucos anos, eu estava presente na inauguração do busto de Dr. Jorge nos jardins da ALB, com apresentação do seu substituto em A TARDE, o saudoso e querido professor Edivaldo M. Boaventura, então presidente da academia, e com discurso ao homenageado proferido pelo jornalista e também  acadêmico Samuel Celestino, que continha ao máximo sua emoção, e que considera nos seus escritos e nas suas falas Jorge Calmon Moniz de Bittencourt  como o maior jornalista baiano do Séc. XX).
 
Desta palestra, muito mais do que o conhecido lado generoso e supra-humano de Irmã Dulce, o que mais me marcou foi a ênfase que dava Dr. Jorge ao talento de grande administradora que tinha a religiosa: de como gerenciava, além do amor, com muita maestria sua magnânima obra fundada em 1959. O próprio Dr. Jorge assim sublinhava, impressionado, esta outra faceta do Anjo Bom da Bahia, lado este que fez questão de ressaltar na sua palestra. Ele, em outras palavras, era um grande admirador dela, e salvo engano, fazia parte do conselho da OSID, ou era ligado às obras, de alguma forma.
 
Pois minha materinha sobre aquela noite de agosto de 1984 deve certamente constar dos arquivos do Cedoc -Centro de Documentação de A TARDE, e aproveito para mandar um abraço para Rubem e sobretudo para Valdir, pois era meu contemporâneo no início dos anos 80, naquela querida redação. Mando lembranças também para Renato, se mantiverem contato com o ex-arquivista. Parabéns a vocês dois por este trabalho sobre a memória da Bahia, e principalmente, claro, pela memória escrita nas páginas de A TARDE, durante décadas, sobre nossa santa baiana, Santa Dulce dos Pobres.
 
Viva nas alturas a nossa eterna Irmã Dulce!
 
Sim, eu também conheci bem de perto uma santa.

Duda Tawil (Eduardo Antonio Jasmin Tawil). Jornalista brasileiro de Salvador, estado de Bahia. Membro da Abrajet (Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores de Turismo). Formado em Jornalismo da UFBA (Brasil), possui dois diplomas na Sorbonne, em francês "Civilização Francesa" e "Linguística Francesa" e um Mestrado em Turismo na Universidade de Nice. Outros estudos realizados na Universidade de Chicago. Colaborador do jornal nacional do Estado da Bahia "A Tarde" e "Gazeta do Turismo." Vive entre Brasil e França, como jornalista correspondente, para enviar notícias sobre os muitos eventos culturais em que participa. Membro da Imprensa Estrangeira em Paris desde 1989. Desde 2000 é também Guia Oficial de Turismo e faz parte da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo - Ministério do Turismo de Brasília).